05/07/2021

Sweet Tooth - crítica

 

Uma aventura sensível em um mundo pós-apocalíptico mas ainda assim embalado com esperança.

Existem séries que surgem subitamente dobre os holofotes e acabam revelando verdadeiras obras prima em meio a toda uma avalanche de produções. E muitas produções que, mesmo sendo baseadas em uma obra já existente (na maior parte dos casos, literária ou gráfica) acabam se tornando tão boas em uma nova versão. E Sweet Tooth é uma delas.

Confesso que demorei um pouco para conseguir fazer este artigo porque, levando em conta o fato de que não conheço a história dos quadrinhos, irei me focar a comentar sobre a série. Porém, após uma pesquisa rápida, soube das enormes diferenças entre ambas. Normalmente, eu acabo tomando partido do lado daqueles que exigem uma fidelidade para com o material original, porém adoro ver adaptações desde que elas respeitem a essência da história e seus personagens. E pelo que pude pesquisar (e concluir), Sweet Tooth é uma excelente adaptação que, embora fuja da atmosfera e da premissa sombria do original, se tornou uma releitura excelente.


É válido mencionar aqui que os quadrinhos de Sweet Tooth diferem muito da adaptação televisiva, principalmente no que diz respeito a atmosfera e abordagem do enredo e seus personagens. Os quadrinhos possuem um traço sombrio e que beira ao bizarro, combinando totalmente com a forma como a história é contada e os acontecimentos acontecem.
A história da série é uma adaptação da premiada série em quadrinhos criada por Jeff Lemire, considerado um dos melhores escritores de histórias em quadrinhos da atualidade. Suas obras são uma mescla de épicos inventivos com dramas intimistas, que foram publicadas pelo extinto selo da Vertigo, de propriedade da DC Comics, que é era mais voltado para obras destinadas ao público adulto.. 






Porém, a série decidiu seguir por uma abordagem oposta a dos quadrinhos. E, embora tal decisão poderia se tornar uma péssima escolha (afinal, adaptações que tendem a fugir demais da obra original acabam sendo desastrosas), as mudanças em Sweet Tooth se mostraram acertadas.
Não que ela seja melhor que os quadrinhos ou que os quadrinhos sejam melhores do que ela: ambos são ótimos, cada qual na sua forma de contar a mesma história. Porém, os produtores decidiram arriscar e trazer, na série um clima mais leve, visualmente mais agradável e com uma atmosfera mais estilo "contos de fadas".  O objetivo era tornar a série disponível para todos os públicos. E conseguiu cumprir isso com maestria principalmente porque, mesmo diante das mudanças, ela manteve o que é mais importante em uma adaptação: a mensagem, os personagens e a essência.

E acredito que isso tenha acontecido porque Sweet Tooth estreou no momento ideal. Após um caos e uma desesperança que se abateu no mundo todo quando a pandemia se alastrou e causou um choque (em todos os segmentos) da sociedade, agora estamos começando a retomar nossa normalidade, mais esperançosos com as vacinas. É como se, após o caos, pudéssemos vislumbrar um recomeço e uma retomada da normalidade, ainda que com algumas diferenças e mudanças do que tínhamos antes.
Assim, a série exibida pela Netflix em parceria com a Warner e produzida pelo estúdio Team Downey (cuja empresa pertence a Robert Downey Jr.)  e desenvolvido por Jim Mickle e Beth Schwartz estreou recentemente e conta, em sua primeira temporada, com cerca de 8 episódios.


Mas do que se trata Sweet Tooth, afinal?

A história  começa com uma narrativa acerca de um vírus  que dizimou boa parte da população mundial de uma forma rápida e desesperadora. Denominado de "Flagelo" a doença era altamente transmissível e se manifestava e matava extremamente rápido. Durante essa pandemia, misteriosamente começaram a nascer crianças híbridas. Nelas, há feições mesclados entre humanos e animais. Tal ocorrido, juntamente com a pandemia, causa uma mistura de pânico e ódio nas pessoas e o caos se instaurou. Porém, com o passar dos anos, a humanidade começa a reaprender a viver nessa nova realidade após tantas perdas e mudanças. 





O protagonista dessa distopia é Gus, um garotinho híbrido humano e cervo, que vive feliz (e isolado) em uma floresta junto com seu pai. Ali, ele brinca e leva uma vida tranquila, sem nem imaginar como é e o que está acontecendo no mundo. Porém, após um tempo tendo que viver sozinho, o garoto é alvo de caçadores, sendo salvo por um enorme e amedrontador homem chamado Jappered. E não demora muito para que o curioso garoto decida acompanhar Jappered para fora da cerca na floresta em que vivia (e que seu pai pedia que ele nunca saísse) em busca de um objetivo ao mesmo tempo em que vai descobrindo o mundo.

Mas óbvio que essa jornada não é fácil ou segura: desde a pandemia, os híbridos são tidos, para muitos, como culpados pelo surgimento do vírus, sendo caçados implacavelmente e submetidos a experimentos cruéis pelos humanos em busca de uma cura para o vírus que já assola o mundo há dez anos. E a jornada de Gus passa a ser também uma constante fuga e luta pela sobrevivência. Para a sorte do garoto, além da proteção de Jappered (relutante no início) o garoto conta com a amizade e o apoio de Ursa, uma adolescente que liderava uma grande gangue de "adolescentes-animais".

Embora o centro principal da trama seja a jornada e Gus e Jappered, há outros personagens que também se tornam protagonistas na história e cuja jornada e acontecimentos relacionados ocorrem paralelamente ou ao mesmo tempo da jornada de Gus e que são ou se tornarão cruciais na história. O principal é do médico Adytia Singh, que vive em uma  comunidade fechada em constante vigília por sua mulher contaminada e que terá que encarar um desafio em busca da cura para o Flagelo (nome dado a doença causada pelo vírus)  e que colocará em cheque suas convicções e ideais.
Por fim, há Aimee Eden, uma mulher que vive em um zoológico abandonado e que, ao longo dos anos o transforma em um recinto secreto e seguro para crianças híbridas.
Tanto Adytia quanto Aimee representam dois opostos acerca da vida em meio a um mundo pós pandemia: Adytia na incessante busca por uma cura e uma volta do mundo como era antes e Aimee  aceitando esse novo mundo que surgiu e disposta a protegê-lo.




A série possui uma atmosfera quase mágica em seus cenários: tudo é muito vivo, causando encanto e deslumbramento. A fotografia é primorosa e não é para menos: as locações onde a série foi gravada é nada menos do que a Nova Zelândia. Mas nos momentos certos, nos é lembrado que esta história também possui perigos, intolerância, crueldade e luta pela sobrevivência.
O elenco é um dos (senão o maior) ponto alto do filme. O prodígio Christian Convery é simplesmente uma graça como Gus, exalando pureza e sendo muito expressivo e adorável. Nonso Anonzie se sai muito bem no papel do sério e estigmatizado Jeppered  e junto com Convery eles criam no público uma afinidade imediata. Logo na primeira cena juntos, já torcemos e nos apegamos á eles.
Quando seus personagens se unem a Ursa, personagem da linda Stefania Lavie, a dinâmica do trio se torna ainda mais fluída, divertida mas também reflexiva: os três aprendem a conviver entre si,  revendo muitos ideais e objetivos.
Quero destacar aqui também a narrativa de Sweet Tooth narrador James Brolin. No início e no final de cada episódio, ele fala sobre coisas que nos faz refletir sobre vida e sentimentos, soando muito bem com a ideia da moral presente nos contos de fadas, encaixando-se perfeitamente na história.


Ao longo de décadas, conhecemos e contemplamos inúmeras obras (seja nos filmes, quadrinhos, séries e livros) que retratavam um mundo pós apocalíptico oriundo de um vírus que dizimou boa parte da humanidade. Vírus que matavam as pessoas rapidamente, ou que transformavam as pessoas em zumbis, ambientes de cidades futuristas decadentes dominados por máquinas, governos ditatoriais opressores, escassez parcial ou total de recursos naturais, vastos desertos onde impera a lei do mais forte e violento... quando víamos  histórias cujo pano de fundo se passava no mundo após uma pandemia, o que víamos era sempre um ambiente descrente, decadente e desesperador. Durante um bom tempo, esse tipo de ambientação sempre foi interessante e envolvente, pois para nós parecia ser algo fictício e muito difícil de acontecer. Até o Covid 19 surgir.

Da noite para o dia a fantasia de um futuro apocalíptico e da humanidade sendo dizimada por um vírus em consequência da ganância humana em extrair os recursos da natureza tornou-se uma premissa real. E o medo de que as histórias de ficção se concretizassem, com a desesperança e mudança do mundo como o conhecemos, fez tantos de nós adoecerem emocionalmente pois. se as obras que retratavam isso mostravam sempre a desesperança e o mal imperando, como a realidade poderia ser diferente?

Talvez pensando nisso, os produtores de Sweet Tooth tiveram a sensibilidade de trazer uma história de esperança e beleza, com aprendizados e reflexões após um caos pelo qual passamos. Embora exista quem critique a série por ela não trazer o viés sombrio e desesperançoso que seria condizente com uma história pós apocalíptica talvez essas pessoas precisem aprender a amadurecer e crer que histórias pós apocalípticas ambientadas em uma realidade desesperançoso e cruel está exaustivo e que, diante do que todo mundo passou neste dois últimos anos, precisamos - e merecemos - de um pouco de beleza, alegria e esperança.



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