13/03/2016

Le Portrait de Petit Cossette


“Quem me amaria tanto á ponto de sacrificar sua própria vida?”


Le Portrait de Petit Cossette pode ser considerado um clássico da animação japonesa no gênero de drama psicológico e terror. Criado originalmente por em 2004 por Asuka Katsura, a obra possui 2 volumes de mangá e um excelente OVA de 3 capítulos.
Dotado de um ritmo narrativo ímpar aliado á uma produção visual de altíssima qualidade, os OVAS constituem-se de uma atmosfera densa, sombria, confusa e por vezes sufocante. Mas ainda assim é permeada por uma suntuosidade bela e dramática, tornando-se o tipo de obra em que se faz necessário um profundo olhar para se captar cada detalhe subliminar e complexo ali contido. O mangá segue essa mesma linha, com um traço expressionista e denso, embora os detalhes de cenários não sejam muito bons, os traços gerais para ilustrar os momentos mais tensos é fenomenal.

Le Portrait de Petit Cossette conta a história de Eiiri Kurahashi, um jovem rapaz que trabalha em um antiquário requisitado. A trama meio que começa pelo meio e, entre flash-backs temos o conhecimento que, há algum tempo atrás o antiquário recebeu uma encomenda vinda diretamente da França. Nos inúmeros objetos recebidos, uma taça de cristal permeada por uma coloração vívida atrai totalmente a atenção do rapaz. Ali estava – de uma forma inexplicável, o espírito de uma belíssima menina, Cossette D’Auvegne. Confuso á princípio, Eiiri passa a se tornar cada vez mais introspectivo, focando-se  em ficar ao lado do espírito de Cossette, conversando e fascinando-se por ela, que demonstra um certo interesse e carinho por  ele até o ponto em que o fascínio de Eiiri acaba por fazê-lo se apaixonar pela garota.

Através da própria Cossette, Eiiri descobre a história da garota. Na época vitoriana, Cossette – filhas de ricos e nobres franceses – tornou-se inspiração e modelo preferida do artista e pintor Marcelo Orlando, graças á sua beleza e tenra idade. Marcelo então tornou-se noivo da garota que até então era sua inspiração.

Porém, em uma lembrança mostrada á Eiiri, Cossette foi brutalmente assassinada pelo homem que amava – e que também a amava- Marcelo Orlando. Eiiri descobre então que sua semelhança física com Marcelo não é mera coincidência: de certa forma ele é a reencarnação do pintor e por conta disso o espírito de Cossette, é, de certa forma atraído para ele.



Devido á sua morte brutal pela pessoa que amou (mesmo se passado 250 anos) e ainda ama, Cossette instrui Eiiri do destino que ele deve cumprir. Os objetos que estiveram presentes no assassinato da garota e que agora permanecem no antiquário estão repletos de rancor e vingança, impregnados por uma forte energia espiritual negativa contra Marcelo Orlando. Para que isso cesse e a alma de Cossette possa se libertar, seria necessário que Eiiri sofre a terrível penitência para expurgar os pecados de Marcelo.

Nesse ponto é interessante notar que Cossette, embora pareça frágil e inocente parece esonder uma tendência á manipulação e desejo de vingança contra Marcelo Orlando. Porém, talvez por tanto tempo ter-se passado, esse sentimento de vingança é subjugado por uma melancolia. A prática da tortura em Eiiri devido ao crime cometido por Marcelo ao matá-la se revela mais uma forma de que, podendo expurgar seus pecados, Marcelo tenha a alma limpa para que Cossette possa então ficar ao lado dele.

Tomado pelo amor, Eiiri faz o pacto de sangue com Cossette e, tendo seu corpo e sua alma crucificados em algum limiar de mundos terrenos e psicológicos, ele é crucificado e torturado inúmeras vezes. Se ele contestar das punições impostas, Cossette lembra-o de que está foi sua própria decisão e a única forma do rancor ser aplacado. Mesmo diante da tortura física e emocional, Eiiri não é capaz de abdicar do fardo: o amor pelo espírito de Cossette faz com que ele tudo suporte somente para libertá-la da solidão. E, diante do amor de Eiiri, Cossette não fica indiferente. Em sua longa solidão, ela encontra no rapaz alguém que é igualmente capaz de amá-la. 

Le Portrait de Petit Cossette é uma obra de arte, de modo a ser apreciada e compreendida por poucos. Permeada por inúmeras referências artísticas e filosóficas, a história aborda diversos temas de uma forma psicológica que, em alguns pontos chega a ser intrigante. O amor trágico, desesperado e doentio desenvolvido por Cossette, Eiiri e Marcelo é algo capaz de ser analisado por diversos ângulos. Da filosofia á psicanálise, passando pela arte romântica e o pavor poético, a razão de ser de Eiiri e Marcelo parece ter se tornado unicamente Cossette.

Ah, Cossette. A jovem garota, quase uma criança que, para o artista tornou-se sua inspiração suprema da beleza que o fez chegar ao ponto de matá-la. Vemos em Marcelo Orlando as referências lúgrubres de duas obras muito famosas da literatura: O Retrato Oval, de Edgar Allan Poe e O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde.
Nestas duas histórias, temos o amor do artista em retratar com perfeição as qualidades de seu amor. Cossette possui a fragilidade e a melancolia gótica da esposa de O Retrato Oval, bem como a beleza e pureza de Dorian Gray que o artista Basílio pintou no quadro.



Ainda na comparação entre O Retrato de Dorian Gray e Le Portrait de Petit Cossette vemos diversas semelhanças em um modo inverso. Entretanto, creio que se enumerar estes pontos, fatos importantes de interpretação da trama em si poderão ser revelados, de forma que não pretendo me estender em demasia. Opto apenas por dizer que a obsessão de Marcelo ante á beleza de Cossette assemelha-se á obsessão de Basílio por Dorian;. Em ambos os casos, os artistas confrontam-se com a mudança de seus modelos reais para com a perfeição que conceberam em suas mentes e transportam para os quadros. Basílio não aceita que Dorian – puro em seu quadro – tenha se tornado depravado e imoral na vida real; Marcelo não aceita que Cossette – jovem e imaculada – possa estar crescendo. Como ele mesmo diz antes de assassiná-la: “Matando-a, permitirei que você já,ais precise mudar.”

Vemos assim que em Le Portrait de Petit Cossette a obsessão por aquilo que Marcelo julgou perfeito possa ter se tornado o desespero que o levou ao crime e, consequentemente o remorso espiritual. Cossette ao mesmo tempo que é vítima dele, é vítima de si própria. O amor autoflagelador reflete-se igualmente em Eiiri que , alheio á “vida real” e convívio com os outros, fecha dentro do ciclo de expurgação de pecados que não pertencem á ele. Mas ele aceita por Cossette.

Divagar mais e se aprofundar na análise poderia levar em risco de se contar demais da história. Em determinados momentos a trama parece confusa e, de fato é. Mas isso é sempre presente em obras nas quais se utilizam referências silenciosas e figuras de linguagem á fim de se desenvolver diversas teorias acerca do enredo.

A animação é excelente, com ótimos efeitos, luz, cores e profundidade. Não chega a ser necessariamente assustador e sim intrigante. Cossette é lindamente surreal, como se fosse uma pequenina e triste deusa – uma mulher em corpo de criança. A trilha sonora é excelente, com o toque melancólico e místico, composto pela produtora Yuki Kajiura (responsável pelo grupo musical Kalafina).


Le Portrait de Petit Cossette é um anime muito diferente do que a maioria das pessoas está habituada. É uma boa opção para aqueles que apreciam uma animação de requinte, com enredo profundo e melancólico que, de forma sombria narra uma história de terror e amor poético coberto por referenciais clássicos e psicológicos. Uma história capaz de fazê-lo desejar que se fosse mais explorado e que reflete até que ponto a perfeição de uma arte pode abater-se naqueles que nela se envolvem.

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